Nito Alves, Sita Valles e José Van-Dunem, vítimas dos massacres de 27 de Maio de 1977 em Angola, levados a cabo pelo MPLA sob ordem expressa de Agostinho Neto e em que terão sido assassinados perto de 80 mil angolanos, podem estar entre os dez corpos recuperados pela CIVICOP e cuja confirmação está a ser feita através da comparação de material genético.
José Van-Dunem é irmão da actual ministra da Justiça e da Administração Interna de Portugal, Francisca Van-Dunem, e Sita Valles cunhada.
O anúncio foi feito pelo ministro da Justiça de Angola, Francisco Queiroz, à saída da terceira reunião da Comissão de Reconciliação em Memória das Vítimas dos Conflitos Políticos (CIVICOP) em que foram apresentados balanços dos subgrupos de micro-localização e exumação de ossadas, médico-forense e comunicação institucional deste órgão.
Segundo Francisco Queiroz, foram localizados os corpos de dez pessoas que estão a ser trabalhados pela equipa médico-forense para que seja possível comparar o ADN com os resultados genéticos obtidos juntos de 35 famílias.
“Não há certezas sobre a quem pertencem os ossos desses dez indivíduos, são oito com ossos completos e dois com ossos parciais”, afirmou, admitindo que podem ser de pessoas relacionadas com o 27 de Maio pelo modo e local como foram encontrados.
“Os indicadores apontam para que sejam pessoas relacionadas com o 27 de Maio, designadamente Nito Alves, Pedro Fortunato, Bakalov, Monstro Imortal, Sita Valles , José Van-Dunem, David Zé, Urbano de Castro, Domingos Barros “Sabata” e Artur Nunes e ainda Júlio e Ilídio Ramalhete, dois gémeos funcionários da ex-DISA (polícia política do MPLA)”, disse.
Entre estes, estão figuras centrais do 27 de Maio como Nito Alves, então ex-ministro da Administração Interna e apontado como líder do suposto golpe, o guerrilheiro Monstro Imortal, e os ex-membros do Comité Central do MPLA, Sita Valles e José Van-Dunem, acrescentou o governante.
“São mais do que os dez corpos que encontrámos, mas enviámos cartas às famílias de todos estes para recolhermos o material genético e fazer o cruzamento”, explicou o ministro.
Em 27 de Maio de 1977, uma alegada tentativa de golpe de Estado, foi sanguinariamente reprimida pelo regime de António Agostinho Neto, o primeiro Presidente de Angola independente. Num ajuste de contas entre dirigentes do MPLA e com a ajuda das tropas cubanas, então presentes em Angola, o regime de Agostinho Neto (ainda hoje considerado pelo MPLA como o único herói nacional) deteve e matou milhares e milhares de pessoas, cujo total nunca foi apurado, mas que pode ter chegado a 80 mil.
“Há fortes probabilidades que, uma vez concluídos os exames às famílias e aos ossos se possa chegar à conclusão de que algum destes seja efectivamente o que estamos a pensar”, disse Francisco Queiroz, sublinhando, no entanto, que o trabalho exige rigor técnico e paciência, pelo que não se podem indicar datas.
A CIVICOP vai fazer deslocar uma equipa para recolha do material genético a Lisboa, onde se encontram alguns familiares das vítimas, mas o exame de ADN será feito em Angola, disse.
“Foi analisada a hipótese de os ossos poderem ir para os países onde se encontram as famílias, para Portugal, mas face às implicações éticas e legais concluiu-se que será o material genético a ser enviado” para Angola, justificou o ministro.
Os trabalhos da CIVICOP vão continuar noutras localidades, designadamente na Jamba, onde a comissão está a trabalhar com o representante da UNITA para que possa também aí ser feita recolha de ossos em locais que a UNITA indique.
A Jamba foi quartel-general das forças da UNITA no sudoeste de Angola, entre 1976 e 1992, durante a guerra civil que opôs as forças governamentais do MPLA ao partido liderado por Jonas Savimbi, morto em combate em 22 de Fevereiro de 2002.
Há neste momento cerca de 400 ossadas ainda em tratamento primário, acrescentou o governante, pedindo às famílias que se apresentem para recolha do material genético.
Na reunião de hoje foi abordado igualmente o tema das indemnizações pedidas por algumas famílias das vítimas.
“Algumas famílias estão a pensar que com este trabalho haverá dinheiro, que vão receber dinheiro do Estado, o princípio da CIVICOP é que este trabalho não deve ser remunerado. No entanto, analisou-se a possibilidade de prestar algum apoio logístico a famílias com dificuldades na altura de realizar o óbito, o que será analisado caso a caso”, disse o responsável da pasta da Justiça.
Um genocídio não se desculpa
O Presidente João Lourenço pediu no dia 26 de Maio de 2021 desculpas em nome do Estado angolano pelas execuções sumárias levadas a cabo após o alegado golpe de 27 de Maio de 1977, salientando que se trata de “um sincero arrependimento”. Mas, é claro, o assassino responsável pelos massacres, Agostinho Neto, continua incólume e a ser, por imposição expressa de MPLA, o único herói nacional. É fartar vilanagem.
“Não é hora de nos apontarmos o dedo procurando os culpados. Importa que cada um assuma as suas responsabilidades na parte que lhe cabe. É assim que, imbuídos deste espírito, viemos junto das vítimas dos conflitos e dos angolanos em geral pedir humildemente, em nome do Estado angolano, as nossas desculpas públicas pelo grande mal que foram as execuções sumárias naquela altura e naquelas circunstâncias”, disse o chefe do executivo angolano.
João Lourenço dirigia-se ao país numa comunicação transmitida pela Televisão Pública de Angola, na véspera da passagem dos 44 anos sobre os massacres de milhares e milhares de angolanos, ordenados por Agostinho Neto, então Presidente da República Popular de Angola e Presidente do MPLA e ainda hoje considerado oficialmente o único herói nacional, em 27 de Maio de 1977.
“O pedido público de desculpas e de perdão não se resume a simples palavras e reflecte um sincero arrependimento e vontade de pôr fim à angústia que estas famílias carregam por falta de informação quanto aos seus entes queridos”, acrescentou.
O pedido de desculpas era uma reclamação dos sobreviventes e das organizações que representam as vítimas e os seus descendentes, agrupadas na Plataforma 27 de Maio.
Em Angola, o Dia do Herói Nacional é uma comemoração partidária transformada, por força da ditadura, em nacional angolana em memória do nosso maior genocida, do nosso maior assassino, António Agostinho Neto.
Estávamos a 17 de Setembro de 2016. O então ministro da Defesa de Angola e vice-presidente do MPLA, João Lourenço (alguém sabe quem é?), denunciou tentativas de “denegrir” a imagem de Agostinho Neto, primeiro Presidente angolano.
João Lourenço discursava em Mbanza Congo, província do Zaire, ao presidir ao acto solene das comemorações do dia do Herói Nacional, feriado alusivo precisamente ao nascimento de Agostinho Neto.
“A grandeza e a dimensão da figura de Agostinho Neto é de tal ordem gigante que, ao longo dos anos, todas as tentativas de denegrir a sua pessoa, a sua personalidade e obra realizada como líder político, poeta, estadista e humanista, falharam pura e simplesmente porque os factos estão aí para confirmar quão grande ele foi”, afirmou o general João Lourenço, hoje presidente do MPLA, da República (do MPLA) e Titular do Poder Executivo (do MPLA), certamente já perspectivando em guindá-lo a figura de nível mundial. Hitler e, agora, Vladimir Putin que se cuidem…
“A República de Angola está a ser vítima, mais uma vez, de uma campanha de desinformação, na qual são visadas, de forma repugnante, figuras muito importantes da Luta de Libertação Nacional, particularmente o saudoso camarada Presidente Agostinho Neto”, afirmou o Bureau Político.
Na intervenção em Mbanza Congo, João Lourenço, que falava em representação do seu então querido, carismático e divino chefe, o “escolhido de Deus” e chefe de Estado, José Eduardo dos Santos, sublinhou que Agostinho Neto “será sempre recordado como lutador pela liberdade dos povos” e um “humanista profundo”.
“Como atestam as populações mais carenciadas de Cabo Verde, a quem Agostinho Neto tratou gratuitamente, mesmo estando ele nas condições de preso politico. É assim como será sempre lembrado, por muitas que sejam as tentativas de denegrir”, afirmou – sabendo que estava a mentir e a ser conivente com um dos mais hediondos crimes cometidos em África – o então ministro da Defesa e hoje Presidente da República.
“Em contrapartida”, disse ainda João Lourenço, os “seus detractores não terão nunca uma única linha escrita na História, porque mergulhados nos seus recalcamentos e frustrações, não deixarão obra feita digna de respeito e admiração”.
“Não terão por isso honras de seus povos e muito menos de outros povos e nações. A História encarregar-se-á de simplesmente ignorá-los, concentremos por isso nossas energias na edificação do nosso belo país”, disse João Lourenço.
Terá João Lourenço alguma coisa, séria, honesta e reconciliadora a dizer aos angolanos sobre os acontecimentos ocorridos no dia 27 de Maio de 1977 e nos anos que se seguiram, quando milhares e milhares de angolanos foram assassinados por ordem de Agostinho Neto? Pedir desculpa em nome do Estado não chega. Chegaria, estamos em crer, se colocasse Agostinho Neto no nível a que o Estado alemão colocou Adolf Hitler.
Numa só palavra, quando este MPLA sente o poder ameaçado, não hesita: humilha, assassina, destrói, elimina, atira aos jacarés. É a sua natureza perversa demonstrando não estar o MPLA preparado para perder o poder e, em democracia, com a força do voto se isso vier a acontecer, a opção pela guerra será o recurso mais natural deste partido, não é general João Lourenço?
“Não vamos perder tempo com julgamentos”, disse no pedestal da sua cadeira-baloiço, o maior genocida do nacionalismo angolano e da independência nacional, Agostinho Neto. João Lourenço sabe que isto é verdade, mas – apesar disso – enaltece o assassino e enxovalha a memória das vítimas. E isto não é, nunca será, “um sincero arrependimento”.
Folha 8 com Lusa
[…] Source: Folha 8 […]